sábado, 7 de fevereiro de 2009

Aspectos comuns nas Tradições Tântricas


Por Fernando Liguori

Desde a publicação do artigo Denominações Tântricas, alguns leitores indagaram sobre a similaridade ou o aspecto comum entre as tradições mencionadas no texto, i.e. o tantrismo Śaiva-Śākta, Vaiṣṇava e Budista. Existem duas características principais no tantrismo comum a estas tradições. A primeira é o conceito de atividade espontânea ou dinamismo na Consciência. Aqui, Consciência é caracterizada como a Realidade Última. Este dinamismo é chamado de śakti ou kriyā. Sensibilidade, iluminação ou conhecimento (jñāna), é geralmente aceito como a característica essencial da Consciência; é isso que diferencia a Consciência da matéria inanimada. Mas a Consciência não é um princípio inerte; ela possui um elemento ativo na forma de pensamento ou imaginação criativa. O Tantra não concebe a Consciência apenas como princípio de conhecimento, mas também como energia. De fato, a energia que conhece e age. Portanto, no Tantra, Consciência é chamada citi-śakti.

O aspecto de conhecimento ou iluminado da Consciência é chamado jñāna, prakāśa ou Śiva, e o aspecto dinâmico ou ativo é chamado kriyā, spanda, vimarśa ou Śakti. Este aspecto também é chamado de svātantrya (liberdade), pois a atividade é perfeitamente livre. O aspecto dinâmico (kriyā) da Consciência é representado por uma mulher e o aspecto de conhecimento (jñāna) por um homem. É por isso que o aspecto śakti (energia) é referido por nomes femininos tais como Vāmā, Tripurā, Bhairavī, Sundarī, Ṣoḍasī, Durgā, Kālī, Umā, Pārvatī, Rādhā, Sītā etc. Rādhā e Sītā são símbolos Vaiṣṇava da śakti. Similarmente, nomes masculinos como Śiva, Bhairava, Rudra, Kṛṣṇa e Rāma são símbolos do aspecto de conhecimento. Kṛṣṇa e Rāma são símbolos Vaiṣṇava.

O Tantra concebe a Realidade como conhecimento e atividade na mesma unidade. É por isso que a Realidade é chamada de Śiva-Śakti, Prakāśa-Vimarśa ou Jñāna-Kriyā. Simbolicamente, para os Śaivas a Realidade é representada como Ardhanārīśvara, um ser que possui o aspecto masculino e feminino. No Budismo tântrico a Realidade é Yuganaddha e na tradição tântrica Vaiṣṇava a Realidade é representada por Rādhā-Kṛṣṇa ou Sītā-Rāma.

Existe uma fascinação entre alguns eruditos em interpretar os dois aspectos da Consciência em termos de polaridade. A polaridade, claro, é evidente nos símbolos masculinos e femininos. Mas se nós compreendermos a natureza daquilo que está sendo simbolizado, a Consciência e seus dois aspectos: conhecimento e atividade, notaremos que esta polaridade torna-se uma especulação sem sentido. A polaridade existe em pares de opostos como os pólos terrestres norte e sul ou o homem e a mulher. Mas conhecimento e ação, denominados Śiva e Śakti, não são pares opostos. Eles são simplesmente aspectos da mesma Realidade. Eles não se encontram em oposição, mas em união.

A segunda característica comum a estas tradições é a atitude positiva em relação a vida. Em outras palavras, é a filosofia de se utilizar o mundo e o prazer temporal como veículo para atingir a realização espiritual. Este aspecto do tantrismo está em conformidade lógica com o primeiro aspecto – a aceitação do dinamismo criativo, a Śakti na Realidade ou Consciência. A Śakti é responsável pela criação do mundo. A criação é a livre manifestação da Śakti ou Śiva como Śakti. A implicação aqui é que a criação, ou o mundo, deve ser tido como sagrado, uma manifestação do Divino. O mundo não deve ser rejeitado como uma ilusão (māyā), obstrução ou uma super-imposição na Realidade, mas deve ser aceito como a manifestação da Consciência Divina que é o nosso próprio Ser. Esta metafísica é à base do estilo de vida positivo que o Tantra advoga. Essa atitude positiva em relação à vida e ao mundo está presente em todas as denominações possíveis a tradição tântrica.

Os aspectos comuns entre as diferentes denominações tântricas são óbvios, mas traçar os pontos de diferença de cada denominação não é tão fácil assim. Muitas vezes a diferença entre nomes e termos pode até parecer insignificante, mas nem sempre é o caso. Por exemplo, quando levamos em consideração o Śaivismo e o Vaiṣṇavismo, não podemos simplificar os termos Śiva e Viṣṇu dizendo serem intercambiáveis. O mesmo ocorre com inúmeros outros termos. Outro exemplo: o Budismo tântrico, de fato, é uma filosofia um pouco diferente, pois nirvāṇa não é o mesmo que auto-realização. Mas no estado de realização Śaiva e Vaiṣṇava, nirvāṇa não é visto negativamente, mas ao contrário, é tido como um estado de completude e bem-aventurança. Embora utilize o termo śūnyatā freqüentemente, o Budismo tântrico se enquadra mais na linha da escola Yogācāra Vijñānavāda do que na Mādhyamika Śūnyavāda. A escola Vijñānavāda aproxima-se muito do Śaivismo e tirando algumas características básicas no sādhanā, não existe diferença de outras escolas tântricas. A maior parte das diferenças entre as tradições tântricas estão no nome e na linguagem ou no modo de expressão, sempre condicionado ao ponto de vista filosófico de cada escola.

As tradições Śaiva e Śākta têm o mesmo tronco filosófico e religioso, assim as duas denominações podem ser vistas como uma apenas. A fim de não confundir o leitor, eu ressalto que utilizo os termos Śaiva e Śākta de forma intercambial, i.e. Śaiva-Śākta, pois, de acordo com a tradição, a Realidade é Śiva e Śakti.

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