quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

O Yoga que aprendemos hoje não foi ensinado por Patañjali




Fernando Liguori
(Kulānanda Saraswatī)
 

Fui assistir a uma palestra ontem. O título era «O que é Yoga?» Lembro-me de uns anos atrás ter dado uma palestra com este mesmo nome no Pró Música. Quando saí de lá, me perguntei: «será que ninguém leu a cartilha?» Inúmeras vezes o palestrante explicou a palavra yoga nos seguintes termos: «yoga é a união do finito com infinito, do micro com o macro, do jīvātman com paramātaman». Para concluir ele disse: «yoga é mokṣa».

Embora essa noção de «união» faça algum sentido no contexto do Vedānta, não é característica do Yoga de Patañjali. Pode ser válida nas escolas pré e pós-Patañjali que adotam uma postura não-dualista, postura essa já rastreada nos arcaicos hinos dos Vedas. No entanto, a metáfora da «união» não se encaixa de modo algum no sistema de Yoga formulado por Patañjali e exposto em seus aforismos. Em nenhum lugar no Yogasūtra existe a formulação de que a meta yogī seja a «união com o Absoluto». Dada à metafísica dualista de Patañjali, que estabelece uma separação estrita entre o Ser (puruṣa) e a Natureza (prakṛti) com todos os seus atributos, a noção de «união» não faz sentido algum.

O único lugar no Yogasūtra que nos faz «lembrar» deste conceito de união é o aforismo 44 do segundo capítulo: Svādhyāyād iṣṭedevatā saṃprayogaḥ (Pelo auto-estudo ocorre à fusão com a divindade escolhida). Essa divindade escolhida não é o Absoluto, Brahman, mas qualquer divindade do panteão hindu.

Esse aforismo ainda corrobora que Yoga não é mokṣa. Vyāsa em seu comentário do Yogasūtra diz que «Yoga é samādhi» (YB I: 1). Para entender melhor isso, devemos levar em consideração o que Patañjali disse acerca do Yoga: «Yoga é o recolhimento dos meios de expressão da consciência» (YS I: 2).

Para explicar isso melhor eu deveria falar um pouco acerca dos termos «samādhi», «mokṣa» e o termo utilizado por Patañjali, «kaivalya». Mas como este opúsculo é só uma reflexão, deixo isso para outra ocasião.

Quando este recolhimento ocorre em sua máxima expressão, Patañjali explica que fulgura o brilho do draṣṭṛ, aquele-que-vê ou a consciência-testemunha, a atenção pura que reside além dos sentidos e da mente. Essa é a essência imutável, o Ser-Consciência. Para Patañjali, todo o resto é matéria não-sensiente e cai sob o domínio da natureza, diretamente oposta a consciência-testemunha.

Portanto, este grau de realização no Yoga é reconhecido por Patañjali como «kaivalya», um termo que denota «isolamento», no sentido de que o puruṣa se isola da prakṛti, completamente. Isso é bem diferente de «mokṣa». Por força desse dualismo irredutível, o Rei Bhoja (Séc. XI d.C.) escreveu um comentário sobre o Yogasūtra onde afirma que na verdade, yoga significa «viyoga», quer dizer, «separação» e não «união». Segundo ele, o discernimento (viveka), é a técnica – outrora manifesta no Sāṃkhya – central dos ensinos de Patañjali, pois provê as condições necessárias para se discernir entre o Ser (aquele-que-vê) e o não-eu (anātaman), que é todo complexo-personalidade psico-físico, o qual pertence ao domínio da Natureza.

Portanto, Yoga não é mokṣa, mas sim, samādhi. Também, em tempo algum, é união!

1 comentários:

kevalinyogi 4 de agosto de 2013 às 15:57  

Boas reflexões sobre os darshanas advaitavada e patanjali yoga(kaivalyavada). O yoga da união do individual com o Universal, relativo e Absoluto, se refere ao Advaita Vedanta, e o isolamento do Si mesmo, pura testemunha, da manifestação é o darshan de patanjali.

Usando termos do Advaita e do Trika, podemos comparar a busca suprema do patanjaliyoga-darshan como o Turyia e o objectivo ultimo do Advaitavada o Turyiatita?
Por Turyia me refiro a condição do Si Mesmo, Pura Testemunha, alem dos 3 estados de consciência, virgília(Jagrat),sonho(Svapna) sono profundo(Sushupti) e por Turyiatita a união do Si Mesmo com tudo aquilo que não é o Si Mesmo(união de Atman com todo Anatman)

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