sábado, 15 de novembro de 2008

Spanda


A Doutrina da Vibração

Por Fernando Liguori

[Nota: o presente texto faz parte do ensaio Śaivismo Trika da Caxemira, a ser publicado em e-book por Kaula Yoga Publicações.]

Assim como a escola Pratyabhijñā foi nomeada conforme as Estâncias do Reconhecimento de Deus, da mesma maneira a escola Spanda foi nomeada em concordância com um de seus textos fundamentais, o Spandakārikā, as Estâncias da Vibração. A filosofia da escola Pratyabhijñā foca-se na liberação através do reconhecimento da autêntica identidade da alma como Śiva, enquanto que a Doutrina da Vibração insiste na importância de se experimentar a vibração ou pulsação (Spanda) da Consciência. A Doutrina da Vibração dá ênfase a experiência contemplativa do despertar da verdadeira natureza do yogī como observador universal atuando conscientemente. Toda atividade no universo, assim como toda percepção, noção, sensação ou emoção no microcosmo, faz parte do fluxo e refluxo do ritmo universal de uma realidade, Śiva, o Deus que é o agente puramente consciente e perceptor. De acordo com a Doutrina da Vibração, o homem pode realizar sua verdadeira natureza como Śiva experienciando Spanda, a dinâmica, recorrente e criativa atividade do Absoluto.

A escola Spanda, assim como a Pratyabhijñā, originou-se e desenvolveu-se na Caxemira através da obra de autores conhecidos e não de Tantras anônimos. Certamente, as origens desta escola marcam o início do Śaivismo da Caxemira no moderno senso em que utilizamos o termo. Na primeira metade do Séc. IX d.C. um asceta Śaiva chamado Vasugupta recebeu em um sonho, assim nos conta Kṣemarāja, uma revelação de Śiva que dizia que uma importante mensagem para humanidade estava escondida na Montanha Mahādeva, na Caxemira. Indo ao local indicado, Vasugupta encontrou uma pedra arredondada onde se encontravam inscritos os Aforismos de Śiva (Śivasūtra). Consistindo de setente e sete aforismos, o Śivasūtra sumariza a essência do monismo Śaiva Yoga. Embora sua autoria seja atribuída – como uma escritura – ao próprio Śiva, ela é, contudo, a primeira obra Śaiva da Caxemira. Conciso e profundo, o Śivasūtra precisava de uma explanação e assim comentários foram escritos. Quatro deles sobreviveram até o presente. O mais extenso é o Vimārśinī de Kṣemarāja, o discípulo mais próximo de Abhinavagupta. Esta obra já foi traduzida para inúmeros idiomas. Varadarāja, um jovem contemporâneo de Kṣemarāja, escreveu um outro comentário extensamente baseado na obra de Kṣemarāja. Mesmo com a falta de originalidade, esta obra possui algumas novas idéias. Mas ela não é somente um sumário da obra de Kṣemarāja, como é o caso do anônimo Śivasūtravṛtti. O quarto comentário – cuja autoria é atribuída a Bhāskara – contudo, difere-se dos outros em muitos aspectos. Anterior a obra de Kṣemarāja, ele parece representar uma tradição independente de comentários.

O mais proeminente discipulo de Vasugupta foi Kallaṭabhaṭṭa, que viveu durante o reinado do Rei Avantivarman (855-883 d.C.). As Estâncias da Vibração (Spandakārikā) são, de acordo com alguns autores Śaivas da Caxemira, obra de Kallaṭabhaṭṭa que escreveu-as com a finalidade de sumarizar os ensinos do Śivasūtra. Embora nós não possamos ter certeza se foi ele quem escreveu as Estâncias ou, como sustena Kṣemarāja, o próprio Vasugupta, não há dúvida de que ele escreveu um curto comentário (vṛtti), o qual foi o primeiro de uma série de comentários de vários autores, incluindo dois de Kṣemarāja, quem demonstrou um interesse especial por esta escola do Śaivismo da Caxemira. Parece que o primeiro trabalho de Kṣemarāja foi um comentário sobre o primeiro verso das Estâncias, o qual foi chamado de a Essência da Vibração (Spandasaṃdoha). Após ter escrito seu comentário sobre os Aforismos, ele escreveu um extensivo comentário sobre as Estâncias chamado Determinação da Vibração (Spandanirṇaya). Esta obra já foi traduzida.

Existem dois comentários sobre as Estâncias que ainda não foram traduzidos. Eles são A Luz sobre a Vibração (Spandapradīpikā) por Bhagavatotpala e o Extenso Comentário (vivṛti) por Rājānaka Rāma. Embora ambos sejam anteriores a Kṣemarāja, são posteriores a Utpaladeva que eles citam e, portanto, são atribuidos ao fim do Séc. X. d.C.

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